CONTRIBUIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
PARA O ENSINO/APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS
Milton Antonio Auth - Doutorando do PPGE -
UFSC 1
José André P. Angotti - Departamento de Metodologia
de Ensino e PPGE - CED/ UFSC 2
Centro
de Ciências da Educação/UFSC
Departamento de Metodologia de Ensino e Programa de Pós-Graduação
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1 - Apoio CAPES
2 - Apoio CNPQ
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RESUMO |
Temos desenvolvido atividades voltadas para a formação
continuada de professores fundadas nos temas antitéticos característicos
da 'imaginação científica' e da produção
do conhecimento (Holton), e tratados dinamicamente através dos
três momentos pedagógicos (Delizoicov e Angotti). Provocamos
a discussão de distintas concepções sobre a natureza
da ciência e a forma como tem evoluído a construção
deste conhecimento. Ao valorizar a contribuição do viés
epistemológico para a melhoria do ensino/aprendizagem de ciências
e de física, assumimos as dimensões do processo e do produto
e estruturamos atividades em torno do tema exemplar "energia: conservação
e degradação". Como resultados podemos afirmar que
estas abordagens são potentes para se exercitar o confronto de
idéias e, assim, contrastar as visões oficiais unívocas
prevalentes nos sistemas de ensino. Além de enfrentar a forma
individual de planejamento e as tarefas didático-pedagógicas,
o envolvimento dos professores está indicando para mudança
e evolução do coletivo constantemente desafiado.
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INTRODUÇÃO/CARACTERIZAÇÃO
DA PROBLEMÁTICA |
Nossa participação em trabalhos de investigação-ação
com um grupo de professores de Física e as pesquisas realizadas
atestam que problemas nas concepções/práticas dos
professores de ciências naturais advindos da formação
inicial e do isolamento ao longo das atividades docentes, podem, não
sem dificuldade, ser enfrentados com mais possibilidade de êxito,
na medida em que estes os vivam e os percebam. Como no campo pedagógico
persistem dificuldades para se perceber estes problemas, contradições
e necessidades de mudanças, parece que iniciativas que estimulem
apenas a reflexão sobre a prática docente não garantem
minimamente a transição desejada.
A esse respeito, estudos histórico-epistemológicos da
ciência revelam:
- a presença, na ciência, de diversas concepções,
como empiricista e racionalista (na ciência clássica) e
"construtivista" (na ciência moderna e contemporânea);
- a ocorrência de rupturas entre conhecimentos anteriores e novos
na ciência;
- a influência de fatores externos à ciência, tais
como, aspectos sociais e filosóficos;
- a presença da dimensão subjetiva na produção
do conhecimento, bem como o caráter de "verdades" provisórias,
o espírito aberto para a incerteza e o embate entre teorias concorrentes.
Paralela e simultaneamente, na prática pedagógica, características
presentes na ciência clássica são bastante comuns
nas concepções/práticas dos professores dos níveis
fundamental e médio. Contribuem fortemente para isso a formação
empiricista/indutivista, a pouca ou nenhuma ênfase à ciência/física
moderna e contemporânea e o próprio entendimento ingênuo
e aligeirado do fazer científico.
Diante disto, ao apontar/analisar exemplos históricos ocorridos
na ciência (principalmente embates), buscamos possibilidades para
as desejáveis rupturas nas concepções/práticas
dos docentes. Analogicamente pensou-se na vinculação da
pedagogia, enquanto campo reflexivo crítico da educação,
enquanto similar ao nível epistemológico para a ciência.
É possível/viável sermos também "epistemólogos"
no campo pedagógico. Na concepção bachelardiana,
trata-se de fortalecer o vínculo entre obstáculos pedagógicos
e obstáculos epistemológicos.
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CIÊNCIA MODERNA E O FASCÍNIO
EM RELAÇÃO À GENERALIDADE/SIMPLICIDADE |
O que se ensina, normalmente, está restrito
à perspectiva única do professor, com predominância
de idéias essencialmente simplistas, ideais e homogêneas.
Em lugar de questionamentos, discussões e embates, a norma é
a passividade/transmissão - comprometendo o que há de
mais precioso na ciência.
Partimos do pressuposto de que a participação dos professores
em atividades de caráter epistemológico lhes proporcionaria
maior clareza e discernimento sobre os limites e as potencialidades
de sua prática e, assim, fortalecer sua formação.
Para tanto, procuramos explorar determinadas concepções
da ciência que possibilitariam aos professores reconhecer suas
próprias concepções, bem como elucidar outros aspectos
que determinam sua prática atual.
A ciência moderna, a partir das contribuições de
Copérnico, que resultou em revoluções na concepção
de si própria e também de mundo, e tendo Newton como "ator
principal", transcendeu fronteiras culturais e ideológicas,
caracterizando-se como um empreendimento com forte apelo de "unidade"
entre os homens nos diferentes locais do planeta. Foram diversas realizações
que contribuíram para imprimir uma certa visão desta.
Para além dos citados, procuramos pôr em evidência
algumas realizações de outros cientistas e/ou personagens
históricos e, também, determinadas sínteses:
- Bacon consolidou a concepção empiricista. O conhecimento
estava centrado nos objetos; o indivíduo, supostamente neutro,
ao interagir com a natureza conseguia extrair o conhecimento dela. E,
como era muito freqüente ter as mesmas percepções,
deduzia-se este como verdadeiro, o que permitiu (ou levou) à
idéia de que, em função das diversas regularidades
observadas, a fazer generalizações;
- Descartes difundiu a concepção racionalista. O conhecimento
estava "na cabeça". Se é através dos
órgãos dos sentidos que conhecemos as coisas, então
o conhecimento não está nos objetos, mas em nossas mentes.
- Através de metodologias que transcendem ao suposto "método
científico" e de processos lógicos que a rigor não
tenham obedecido estritamente às concepções indutivista
ou racionalista, ciência e tecnologia desenvolveram corpos teóricos
estruturados de grande alcance, embora sempre limitados. Exemplos da
Física sempre são oportunos: da mecânica, da termodinâmica,
da óptica e do eletromagnetismo, sempre contemplados ora isoladamente,
ora em conjunto, à luz dos princípios de conservação
da energia, carga, das quantidades de movimento linear e angular. Tais
sínteses entusiasmaram não só cientistas, mas populações
em geral, pelo menos as que tiveram contato com este conhecimento, seja
na educação escolar, seja pelas vias da divulgação.
- Nos três últimos séculos, as mudanças sócio-econômicas
e culturais mais amplas e profundas têm ocorrido mais ou menos
associadas ao conhecimento de ciência e tecnologia. O domínio
clássico que muitos resumem aos 150 da era newtoniana, parece
que ainda prevalece fortemente na concepção dos docentes,
passados mais de 250 anos.
A impressão que resultou daí, principalmente diante do
apogeu da racionalidade, da façanha das descobertas das forças
de interação entre massas, da conservação
da massa e da energia e das possibilidades de se resolver problemas
seculares intrincados sobre o movimento dos corpos celestes parece ter
consolidado a idéia de que tudo está dado. Máquinas
simples e avançadas fundadas na termodinâmica e no eletromagnetismo
parecem ilustrar este domínio e fortalecer mais ainda o consenso
sobre a capacidade ilimitada deste conhecimento.
A estrutura conceitual que resultou - com ênfase da aplicação
da matemática na física -, levou a uma clareza de raciocínio
extraordinário deixando evidente, conforme Gleiser (1997:164)
"que todos os movimentos observados na Natureza, desde a familiar
queda de uma gota de chuva até a trajetória cósmica
dos cometas, podem ser compreendidos em termos de simples leis de movimento
expressas matematicamente." Essa concepção de ciência,
que iria predominar até o início do século vinte,
e que conseguiu aplicar com enorme eficiência a matemática,
foi pressuposto básico para fortalecer a idéia de que
tudo estava pré-determinado, bastava fazer os eventuais "pequenos
ajustes".
Em Bernal (1969:77) vemos que a racionalidade da ciência, no que
tange à possibilidade dos indivíduos de manipular o ambiente
(como manufaturar e operar instrumentos) de acordo com suas vontades,
levou a uma "nova" visão da ciência - à
luz da gênese moderna -, onde "objetivamente, o mundo inanimado
é muito mais simples que o mundo animado, e este mais simples
que o mundo social; por isso, era intrinsecamente necessário
que o controle racional e, em última análise, científico,
do meio, tivesse seguido precisamente essa ordem."
Sobre este aspecto, Holton (1979:11) afirma que os cientistas, desde
Copérnico, compreenderam como era atraente um sistema que dispusesse
das qualidades simplicidade e necessidade, e que as novas relações
habituais de motivações do trabalho científico,
como a descoberta de remédios/curas contra epidemias, a eficiência
das máquinas, entre outras, tendem "a ressaltar o lado baconiano
do legado da ciência moderna." No entanto, ele também
afirma que estes aspectos não são suficientes para a compreensão
da ciência.
Seguindo o exemplo dado acima, as leis da conservação
da massa e da energia, que incorporam as distintas transformações
no universo, muito familiar a poucos docentes e muito distante da maioria,
não podem continuar pouco presente nas práticas docentes.
Com estas discussões queremos ressaltar a necessidade de, não
só aprender novos conhecimentos, mas, principalmente, como lidar
com os conhecimentos/concepções relativos à ciência
clássica e moderna, na prática pedagógica. Aliás,
uma vez que estes (as) últimos (as) são predominantes
na formação dos professores, acreditamos ser esta uma
condição essencial para que ocorra a transição
necessária.
Seria ingenuidade de nossa parte, esperar/querer dos professores avanços
significativos na sua prática pedagógica sem propiciar
condições que lhes possibilitassem perceber determinadas
limitações em suas formações.
Ao abordarmos estes aspectos, queremos advertir sobre alguns exageros
cometidos em certos momentos históricos, tanto no âmbito
da comunidade científica quanto no da comunidade escolar (principalmente
nesta última). Se para os cientistas, mesmo inseridos em ambientes
de pesquisa, onde a busca por novos conhecimentos é uma das suas
finalidades, há dificuldades para aceitarem mudanças significativas,
o que esperar dos professores, que não dispõem dessas
condições?
Não por acaso, nem intencionalmente, os professores permanecem
restritos à simples exploração empírico-indutiva
misturada a uma racionalidade simplória em muitas das aulas que
ministram, principalmente naquelas em que são realizadas atividades
experimentais. Ainda "presos" a "determinados paradigmas",
não compreendem que estes aspectos são insuficientes para
a aprendizagem de novos conhecimentos e para explicar as teorias. Chalmers
(1993:62), por exemplo, afirma que "não se pode ver uma
distinção acentuada entre a observação e
a teoria porque a observação ou, antes, as afirmações
resultantes da observação são permeadas pela teoria."
Além disso, a riqueza que se constitui o processo de produção
dos conhecimentos científicos também envolve outros elementos.
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CONCEPÇÕES/EMBATES NO
ENFOQUE DA CIÊNCIA COMO CONSTRUÇÃO HUMANA |
O Caráter Subjetivo
Com o desenvolvimento da ciência madura e da epistemologia neste
século, a racionalidade perfeita e imutável, predominante
no século passado, foi posta em questionamento. Elas têm
"destronado" o conhecimento objetivo por essência e
permitido demonstrar que a idéia de "verdades absolutas"
acerca do conhecimento científico, mais marcante na época
de predomínio da ciência moderna, é difícil
de se sustentar, mesmo que esta visão esteja na própria
raiz do pensamento formal.
Se a ciência pode ser relativizada, conseqüentemente a "razão"
também o passa a ser. Se a "razão" impulsionou
a Ciência, ela também se fez ao fazer ciência, ou
seja, seus princípios lógicos também sofreram mudanças,
com a transformação da Ciência. Bachelard afirma
que
"... todo real progresso no pensamento científico necessita
de uma conversão. Os progressos do pensamento científico
contemporâneo determinaram transformações nos próprios
princípios do conhecimento. [...] Os quadros mais simples do
entendimento não podem subsistir em sua inflexibilidade, se deseja
avaliar os novos destinos da ciência." (Bachelard, apud Chrétien,1994:41).
Em Bombassaro (1994:4) vemos que a sobrevivência
das leis e teorias para além de fatos culturais e históricos,
para além do trabalho dos próprios cientistas, "ganha
um caráter de universalidade e permite contar a história
de nossos erros e da nossa ignorância." Esta característica
da ciência como uma empreitada humana - e não especificamente
de algum ou outro cientista em particular -, como uma construção
que não está isenta de erros e, portanto, é limitada
e permeada de discussões/embates, também é marcante
em Einstein:
"A ciência, considerada um conjunto pronto e acabado de conhecimentos,
é a mais impessoal das produções humanas; mas,
considerada como um projeto que se realiza progressivamente, ela é
tão subjetiva e psicologicamente condicionada como qualquer empreendimento
humano."(Einstein, apud Thuillier, 1994:227)
A educação escolar, o convívio
religioso (judaico e católico), a permanente desconfiança
em relação "aos ensinamentos oficiais" e as
experiências na Suíça ("lugar de encontro das
forças revolucionárias da Europa") possibilitaram
a Einstein uma mente aberta o suficiente para extrapolar os conhecimentos
de sua época - e confiar em pressupostos que não se restringem
aos aspectos lógicos e racionais, tão marcantes na Física
Moderna.
"Os conceitos físicos são livres criações
do espírito humano e não são, como se poderia acreditar,
determinados exclusivamente pelo mundo exterior. No esforço que
fazemos para compreender o mundo, assemelhamo-nos um pouco ao homem
que tenta entender o mecanismo de um relógio fechado. Ele vê
o mostrador e os ponteiros em movimento, ouve o tique-taque, mas não
tem como abrir o estojo. Se for engenhoso, poderá formar alguma
imagem do mecanismo que ele tornará responsável por tudo
o que observa, mas nunca estará seguro de que sua imagem seja
a única capaz de explicar suas observações. Nunca
estará em condições de comparar sua imagem com
o mecanismo real, e nem mesmo pode se representar a possibilidade ou
o significado de uma tal comparação" (Einstein, apud
Chrétien,1994:43-44).
Esse tipo de visão da ciência parece
ter adquirido maior impulso com epistemólogos, como Kuhn e Holton
que, para caracterizarem a ciência, recorreram não só
a elementos históricos, mas também a aspectos externos
ao desenvolvimento desta. Kuhn, por exemplo, ao refletir sobre as principais
críticas feitas à sua obra (Revoluções Científicas),
principalmente relacionadas ao que denominou de ciência normal,
aponta diversos exemplos historicamente ocorridos no processo de construção
de conhecimentos da humanidade.
Na grande mudança da epistemologia a partir de Kuhn está
imbricado o aspecto interpretativo na ciência. A busca pelos significados
das descrições do que era fazer ciência em cada
época facilitou a percepção das teorias científicas
como construções provisórias.
Kuhn (1991:25) aponta para uma reflexão séria, epistemológica
para além da historização (de anedotas e cronologia)
para construir uma nova história da ciência. Afirma que
precisamos descrever as maneiras pela qual cada um dos episódios
marcantes dentro da ciência (principalmente os casos revolucionários)
"transformou a imaginação científica, apresentando-os
como uma transformação do mundo no interior do qual era
realizado o trabalho científico."
Nesta perspectiva, e tratando da análise temática, Holton,
além de valorizar a contribuição individual, subjetiva
(humanística), dá ênfase a temas antitéticos
(embates ocorridos em torno das formulações, como contínuo/descontínuo,
análise/síntese). Como exemplos podemos citar as "opções
temáticas" dos cientistas em favor de um dos pólos
temáticos: carga elétrica elementar de Millikan, carga
elétrica contínua ou subelétrons de Ehrenhaft,
a luz enquanto partícula - a luz enquanto onda, a hipótese
do éter - a refutação do éter...
3 - Ver Thuillier, 1994:245
Dos Embates a Novas Perspectivas
A ciência, ao longo de sua história, tem sido "palco"
de muitos conflitos; alguns deles parecem perdurar sempre, como os pressupostos
temáticos antitéticos do contínuo versus o quantizado.
Há quem afirma que ela é, por natureza, uma atividade
conflituosa. É possível indicar, por exemplo, conflitos
entre elementos da própria ciência, entre ciência
dos fatos e conhecimentos religiosos, a exemplo da dimensão temática
proposta por Holton.
Na medida em que formos "portadores" do conhecimento científico
é imprescindível a tomada de consciência desses
conflitos, até para não continuarmos a "ensinar"
uma ciência isenta de polarizações. Gleiser (1997:359-62)
afirma que vivemos numa realidade bipolar, que na organização
do mundo em nossa volta a polaridade pode ser bastante útil.
Para exemplificar a questão dos conflitos ocorridos na ciência,
apontamos discussões/embates que permearam algumas formulações
científicas:
a) As discussões sobre Geocentrismo e Heliocentrismo revelam
que as concepções formuladas nesses paradigmas (Kuhn)
não vieram a atender aspectos internos da ciência - tudo
que foi produzido não está na natureza. A concepção
geocêntrica do universo teve sua validade em determinada época,
visto que estava de acordo com certas leis específicas, válidas
então. De acordo com Bombassaro (1994:3) "valeu enquanto
durou aquela concepção de mundo que a defendia. Valeu
dentro dos limites de uma determinada época de nossa cultura,
de nossa civilização, onde tais leis eram aceitas e defendidas
como invioláveis e infalíveis." Assim, esta concepção
foi substituída pela Heliocêntrica, que afinal, atualmente
está longe de ser reconhecida como correta.
b) Outra questão que vale a pena ser
explorada é a polêmica sobre a vinculação
da Experiência de Michelson-Morley com os postulados do princípio
da Relatividade Restrita. Thuillier (1994:235-8) ressalta aspectos polarizados
sobre a polêmica.
· Em defesa dessa vinculação:
* Poincaré declara ser o princípio da relatividade um
fato experimental, no mesmo sentido que as propriedades dos sólidos
naturais; como tal está sujeito a incessante revisão;
como princípio, é no máximo 'uma convenção
sugerida pela experiência'. Lembra ainda que os físicos
podem muito bem ignorá-lo, sobretudo se querem conservar seus
'velhos hábitos'.
* Millikan considera que "a teoria da relatividade restrita tem
sua origem essencialmente numa generalização da experiência
de Michelson".
* Joseph Petzoldt afirma que a "teoria einsteiniana depende inteiramente
do resultado da experiência de Michelson e pode ser derivada dele".
· Contrárias à referida vinculação:
* Einstein afirma ter formulado o princípio da relatividade não
baseado em dados experimentais; que estava praticamente convencido da
validade deste princípio antes de conhecer a experiência
de Michelson e seus resultados. "Em meu combate pessoal, a experiência
de Michelson não desempenhou nenhum papel, ou pelo menos nenhum
papel decisivo". Einstein chegou a externar que "pensava visualmente"
e que uma "espécie de devaneio experimental" estimulou
por anos as suas reflexões.
* Segundo Thuillier (1994:244), "o procedimento crítico
que engendrou a teoria da relatividade" foi possível face
à "real autonomia intelectual" de Einstein. Para além
da atividade lógica racional ele recorreu a outros elementos
(como emocionais, psicológicos, imaginativos, convicções
filosóficas, e até místicos - "sentimento
religioso cósmico") em sua imaginação científica.
c) com o Princípio da Incerteza, Heisenberg
e outros ampliaram os domínios do descontínuo, em oposição
a determinadas certezas até a época, em favor do contínuo.
Em Holton (1979:30-2), vemos que, com esse princípio, podemos
atribuir um caráter randômico (jogo do acaso) ao movimento
de um satélite em torno de um planeta, ao contrário das
equações de movimento que determinam os termos de uma
seqüência simples e de causalidade linear (ponto por ponto).
No entanto, nem todos compactuavam dessa proposição. Einstein,
Schrödinger e Planck, posicionaram-se contrários a esta
idéia. "Jamais aceitaram como comprovado o primado do tema
do probabilismo fundamental na natureza física." Einstein,
num determinado diálogo com Heisenberg, dizia concordar "em
que qualquer experiência cujos resultados possam ser calculados
por meio da mecânica dos quanta se processará como você
diz, mas mesmo assim tal esquema não pode ser uma descrição
final da natureza."
A expressão de Einstein - "Deus não joga dados"
- reflete a sua crença numa rigorosa determinação
dos fenômenos naturais, fator que lhe dificultava reconhecer a
validade da mecânica quântica, mais especificamente "o
modismo estatístico" defendido por Born, Heisenberg, Pauli
e, sobretudo seu principal interlocutor, Bohr. De acordo com Thuillier
(1994: 232), Einstein "achava um absurdo que um corpúsculo
pudesse deixar de ter um comportamento totalmente previsível."
As idéias de Einstein, para além da abordagem conceitual
- da mecânica quântica e da relatividade -, são exemplos
marcantes no sentido de explorar o conhecimento científico sob
outro viés e, ao mesmo tempo, reconhecer as limitações
tidas nestes âmbitos. Einstein acreditava que sua fidelidade ao
contínuo nascia não de um preconceito, mas do fato de
não ter sido conseguido imaginar algo orgânico para substituí-lo.
Holton (1979:34) afirma que há limites inerentes à imaginação
científica e que devemos estar preparados para as críticas
daqueles que estão afligidos, não com nossos temas, mas
com seus antitemas.
Prigogine (1991:159), ao se referir à termodinâmica dos
sistemas complexos, alerta sobre a crescente incerteza que paira em
torno destes. Afirma que os nossos meios de observação
são imperfeitos.
"Em vez de poder reconhecer no devir irreversível das coisas
o análogo do devir que o constitui a si mesmo, o observador tem
de admitir que a natureza, estranha a esse devir, limita-se a remeter-lhe
a imagem do crescimento da sua própria ignorância; a natureza
é muda, e o devir natural, longe de falar ao homem do seu enraizamento
no mundo, é apenas o eco dos empreendimentos humanos e de seus
limites."
d) Podemos ver, na literatura existente, diversos
outros conflitos ocorridos na ciência, tais como as discordâncias
entre Millikan e Ehrenhaft; Newton e Huygens já citados. Interpretações
oponentes entre físicos britânicos e alemães acerca
dos "raios catódicos" investigados por J.J.Thomson;
os debates e controvérsias sobre geração espontânea,
desenvolvidos entre Félix Pouchet e Louis Pasteur.
Ora por desconhecimento, ora por decisões em favor das teorias
vencedoras, docentes/pesquisadores ao conduzirem disciplinas de graduação,
ignoram as diferenças e reforçam, implícita ou
explicitamente, os "valores" da ciência clássica.
Desdobramentos desta formação junto aos materiais didáticos
e aos procedimentos e posturas em sala de aula do ensino médio
e fundamental, não podem ser alternativos aos da formação
inicial.
Em tempos de reformulação curricular, é bastante
oportuno e pertinente a inserção destes assuntos sobre
ciências paralelamente aos assuntos de ciências nos currículos
dos cursos de licenciaturas e de bacharelado, não só de
Física, mas de todas as áreas afins.
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A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES
E SUAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS |
Parte significativa dos professores, com sua prática
de repetir o mesmo ano após ano, longe de novos conhecimentos,
apenas vão se tornar mais hábeis de fazer a mesma coisa
e de reforçar as suas concepções, o que dificulta
nosso grau de convencimento para sua inserção engajada
em novas perspectivas pedagógicas. Até mesmo os cursos
de licenciatura não têm apresentado avanços significativos
na implementação de novas alternativas, principalmente
as direcionadas para um ensino mais progressista, em que pesem nossas
inúmeras pesquisas em ensino de ciências/física.
Entre os fatores que impõem limitações, a ponto
de não resultar em mudanças significativas ou em novas
perspectivas, podemos destacar, a pouca exploração de
aspectos histórico-epistemológicos da ciência e
o próprio entendimento do fazer científico. Não
dá para ignorar que a ciência moderna - conhecimento científico
que os professores melhor "dominam" -, apoiada por idéias
empiricistas e indutivistas na sua origem e permeada pela idéia
da simplicidade e necessidade, resultou num caráter continuísta
e de uma perfeita operacionalidade, independente do sujeito. Mesmo na
ciência contemporânea, é de praxe se apresentar os
produtos ou os resultados (como e = mc2), sem mencionar o processo e,
menos ainda, o papel do cientista (seus sentimentos, "elocubrações",
...) presente nas construções.
Questões como estas traduzem alguns porquês da pouca ênfase
dada à física moderna e contemporânea e a prevalência
das explorações apoiadas no simulacro do pretenso formalismo
(ou formulismo) matemático. Em virtude da ausência dos
embates históricos (como os tidos entre Einstein e Bohr sobre
o determinismo versus o indeterminismo), o conhecimento novo é
visto simplesmente como um aprimoramento, uma reformulação
do antigo, distante de uma revolução ou mutação.
Holton (1979:209), ao abordar a pesquisa de Anne Roe sobre centenas
de importantes cientistas, deixa claro o quase total desprezo destes
pela divulgação do fazer dos cientistas e pelas questões
sociais, porque "embora essas relações também
existam entre eles, são habitualmente mais obscuras e a técnica
de relatar os resultados científicos serve antes para esconder
o homem do que para revelá-lo".
Neste aspecto, os livros textos e os manuais instrucionais utilizados
pelos professores conseguem reproduzir de forma bastante fiel o que
ocorre com a veiculação do conhecimento científico
exitoso, sempre em favor da ciência clássica, contribuindo
para sua imperativa divulgação, reprodução
e/ou transposição. Porém, continuam a reforçar
uma imagem distorcida do que hoje se reconhece como "fazer ciência",
mesmo que consideremos o relativismo e as diferenças de posição
entre historiadores e epistemólogos. Recentemente, passamos a
conviver com as novas possibilidades fornecidas pelas mídias
eletrônicas, o processamento de imagens e ao tratamento mais aberto,
menos sisudo, do conhecimento científico. Contudo, a oportunidade
oferecida poderá ser apenas mais um veículo poderoso de
reforço às velhas concepções que desejamos
superar. Cabe utilizar as mídias para as mudanças de rumo
tanto dos conteúdos de e sobre ciências: clássicos,
modernos e contemporâneos, como de metodologias plurais, tradicionais
ou novas, com atividades presenciais e a distância.
A história da ciência nos fornece inúmeros indícios
do quanto é difícil mudar concepções "enraizadas"
e aceitar e compartilhar novas idéias. Atribui-se a Planck a
máxima que condiciona a mudança das teorias à morte
dos cientistas mais velhos, pois uma teoria nova, alternativa à
vigente, parece ser muito mais aceita pelos cientistas jovens. Com isso,
não sugerimos excluir os professores mais velhos, mesmo porque
há nítidas distinções entre a prática
pedagógica e a dos cientistas. Mesmo assim, não podemos
nos iludir de que mudar de concepção seja algo bastante
fácil.
Se os epistemólogos e os próprios cientistas tiveram e
ainda têm dificuldades em chegar a idéias comuns sobre
o que é fazer ciência, ou sobre como se desenvolve a ciência,
como exigir dos professores alguma clareza e convicção
em suas atividades com alunos? Será que os professores têm
idéia do que significam fatores externos em relação
ao que ensinam? Consideram que a compreensão de seus alunos sobre
algo é função, também, de suas pré-concepções
e mesmo de valores?
A história da ciência nos mostra que é ingenuidade
do professor pensar que passando (transmitindo) simplesmente os conteúdos
científicos, possibilitará a compreensão dos mesmos.
Para Robilotta (1988:17), essa ciência excessivamente lógica,
tem deixado transparecer uma imagem falsa. "Ao identificarmos o
processo ao produto, estamos afastando dela os estudantes. A apologia
da lógica torna a ciência sobre-humana aos olhos dos estudantes,
superior às possibilidades dos mortais."
Holton, ao tratar do aspecto pessoas versus coisas, também aponta
para problemas na prática pedagógica, como o ensino "reprodutor"
- a verdade está no professor -, onde parece ser reforçada
a concepção de ciência como "coisa estática"
ao invés do aspecto da construção. A ênfase
nos aspectos lógicos e experimentais, excluídos do fator
psicológico (sentimento), reforça a visão da ciência
como algo, de certa forma, alheia ou totalmente independente do ser
humano, ficando assim, apenas a questão de se optar ou não
por ela. Além disso, em relação a inovações
curriculares reafirma (1979:216) a necessidade de se "colocar pelo
menos um mínimo de história da ciência, epistemologia
e discussão do impacto social da ciência e tecnologia no
material educacional utilizado nas aulas de ciência."
Acreditamos que recorrer a aspectos histórico-epistemológicos
da ciência e debater temas antitéticos constituem-se fontes
de visões alternativas para o ensino. Eles constituem opções
para gerar o confronto de idéias e, assim, contrastar as visões
oficiais presentes nos sistemas de ensino.
Para o trabalho que contempla as dimensões aqui sustentadas,
é fundamental a atenção constante à tensão
essencial, categoria kuhniana que trata do conflito entre o antigo e
o novo. O antigo que luta para se manter e o novo para conquistar seu
lugar. Em termos pedagógicos, podemos admitir que o ensino/aprendizagem
consiste numa luta incessante entre a formação do pensamento
dogmático e o crítico.
Com isso procuramos sustentar a questão da importância
de envolver os alunos de graduação recém formados,
bem como os professores, em práticas de formação
continuada, principalmente se quisermos que acompanhem as evoluções/transformações
que ocorrem não só nos modelos de ciência que utilizam,
mas principalmente, no trabalhar dos modelos para tornar o mais dinâmico/interativo
sua prática pedagógica.
Atividades de pesquisa e extensão vem sendo desenvolvidas sob
nossa coordenação/participação, a partir
de meados desta década, em diversos cenários, com docentes
em formação inicial (nas disciplinas de Metodologia de
Ensino e de Prática de Estágio Docente/UFSC e na abordagem
de temáticas de ensino com alunos do MST, na UNIJUÍ/RS)
e continuada (no Programa Pró-Ciências/Física do
estado de Santa Catarina e também com um grupo de professores
da área de Ciência Naturais: Física, Química
e Biologia da Escola de 10 e 20 Graus Francisco de Assis - EFA/UNIJUÍ/RS).
Textos elaborados em torno de temáticas vinculadas a teorias
alternativas sincrônicas e assincrônicas - conservação
da massa da ciência clássica; conservação
e degradação da energia da ciência contemporânea
-, a exemplo das Combustões, constituem parte do instrumental
didático destas atividades.
Além da elaboração de textos didáticos,
com e pelos professores, para serem utilizados nas aulas de ciências,
convém auxiliá-los a disponibilizar outros materiais didáticos
e paradidáticos tradicionais e/ou multimídia; textos impressos
tais como: Física (GREF: textos impressos para professores e
material para alunos disponíveis na Internet), Física
e Metodologia do Ensino de Ciências (Delizoicov e Angotti); GAIA
(Lutzemberger), Energia e Meio Ambiente (Branco); sites na Internet,
como os disponíveis na página www.ced.ufsc.br,
www.fsc.ufsc.br; programas educativos
da área de Ciência (como RTC e TV Futura); vídeos
e coleções de CD-Room (a exemplo das coleções
Britannica, National Board of Canada e Discovery), devidamente selecionados
com os professores, podem ser bastante úteis e desafiantes.
Diante da oferta explosiva de materiais didáticos com recursos
multimídia, os professores deverão incorporar em sua formação
critérios seletivos, já que muito do ofertado carrega,
ainda que com riqueza de imagens e simulações, visões
de ciência bastante ortodoxa.
Para além de se constituírem um componente essencial da
formação permanente dos professores, que infelizmente
permanecem ausentes na grande maioria dos currículos de formação
inicial - Licenciaturas -, as discussões de fundo epistemológico
servem, também, para buscar e fortalecer critérios que
auxiliem os professores a selecionarem e usarem criticamente os diversos
materiais disponibilizados.
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REFERÊNCIAS |
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| www.if.ufrgs.br/~kepler/
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ABSTRACT |
We have developed activities directed to teacher's
continued formation based on the antithetic themes characteristic of
"scientific imagination" and of the knowledge production (Holton),
besides dynamically treated through the three pedagogic moments (Delizoicov
and Angotti). We brought about a discussion of distinct conceptions
about the science nature and the way of knowledge we have built. Valuing
the contribution of the epistemology slant, for the improvement of the
teaching/learning of science and of physics, we assume the extend of
the process and of the product and organized activities about the copy
theme energy: conservation and degradation. As result we can assure
these options are able to exercise the confront of ideas and so, contrasting
the unique official vision prevailed in the teaching systems. Besides
facing the individual form of planning and the pedagogical tasks, the
involvement of the teachers is indicated to change and to improve the
work group constantly challenged.
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